Direito

Justiça Tardia: A dignidade negada aos poupadores brasileiros

Há mais de três décadas, milhões de brasileiros confiaram no governo federal e investiram suas economias na caderneta de poupança, então considerada o investimento mais seguro do país. Muitos venderam bens, fazendas, gado e o que fosse, na esperança de um futuro financeiro estável.
 

No entanto, os sucessivos planos econômicos — Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II — implementados entre 1986 e 1991, resultaram em perdas significativas para esses poupadores. A promessa de estabilidade transformou-se em frustração, e o que era para ser um investimento seguro tornou-se fonte de prejuízo. Falo isso como testemunha de quem trabalhou e trabalha em centenas de processos sobre o tema, cuja maioria dos autores já faleceram, sem receber justiça nos seus processos.
 

Desde então, a busca por reparação tem sido marcada por uma série de obstáculos judiciais. A suspensão das ações judiciais relacionadas aos planos econômicos, que perdurou por anos, é um exemplo claro de como o sistema jurídico, que deveria proteger os direitos dos cidadãos, acabou por favorecer os interesses dos bancos.
 

É inaceitável que, após tanto tempo, muitos dos afetados ainda não tenham recebido qualquer compensação. Pior ainda, a morosidade do Judiciário não apenas nega a reparação financeira, mas também fere a dignidade desses cidadãos que confiaram no Estado, que deveria acudir-lhes quando perderam tudo.

Se você se lembra dos planos econômicos, também se lembra do número expressivo de brasileiros que se suicidaram. Conheço famílias que do dia para a noite perderam tudo e sequer estudo puderam dar aos seus filhos. Conheço pequenos produtores rurais que entre negócio de terras, venderam para comprar, aplicaram na poupança e ficaram sem dinheiro e sem ter onde morar.
 

Aí nos vem a recente movimentação do STF, solicitando dados à AGU sobre o número de ações e poupadores envolvidos, sem que essa iniciativa se traduza em ações concretas e céleres. Isso depois de mais uma suspensão processual de 60 meses. Isso depois de três grandes períodos de suspensão determinados pelo Supremo Tribunal Federal.
 

Para avivar a nossa memória, a suspensão inicial começou com a primeira decisão do STF no final de 2006 e desde então, considerando interrupções, retomadas e novas suspensões, os processos ficaram paralisados por cerca de 17 anos — entre 2007 e 2024 — com pequenas movimentações administrativas, mas sem avanço decisivo para o julgamento individual dos poupadores.
 

Me digam do que se trata isso. Me digam se os bancos nos deixariam dever por mais de 17 anos sem tirar de nós tudo o que nós temos. Ora, justiça tardia é, na prática, uma forma de injustiça. É imperativo que o Judiciário reconheça a urgência dessa questão e atue de maneira eficaz para reparar os danos causados.

Os poupadores brasileiros merecem mais do que promessas; merecem respeito, dignidade e justiça.

Renata Abalém

Autora: Renata Abalém – advogada, Diretora Jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP

Carlos Eduardo

Faço parte da equipe de redação e publisher do Jornal Contábil, ajudando na produção e publicação de matérias e notícias para manter os leitores bem informados sobre concursos, legislação e temas do dia a dia.

Recent Posts

Contador e os direitos autorais: como orientar o cliente e ficar dentro da lei

Ficar atento aos direitos autorais faz parte do papel do contador para orientar seus clientes

2 dias ago

Você conhece o auxílio-acidente e como fazer seu cálculo? Veja aqui!

Quer saber quanto é o valor pago pelo INSS pelo auxílio-acidente? Veja aqui.

2 dias ago

Receita Federal informa parada programada do ecossistema CNPJ

Trata-se da entrada em produção do Módulo de Administração Tributária que traz impacto para a…

3 dias ago

Plano de saúde para MEI em São Paulo: como usar seu CNPJ para pagar menos?

Plano de saúde para MEI pode ser a alternativa mais econômica para microempreendedores que desejam…

3 dias ago

Simples Nacional sem mistério: aprenda quando usar o DAS Avulso e garanta sua regularidade fiscal!

O DAS Avulso é uma guia que reúne em um único documento os impostos municipais,…

3 dias ago

Receita paga HOJE lote de restituição do IR com mais de R$ 490 milhões

Este lote vai beneficiar 214 mil contribuintes.

3 dias ago