Contabilidade
Receita Federal define momento de tributação sobre deságio em recuperação judicial e gera controvérsia no meio jurídico
Receita Federal estabelece que IRPJ e CSLL incidem no momento da homologação do plano de recuperação judicial. Especialistas questionam a legalidade do entendimento por falta de realização econômica do ganho.
Solução de Consulta nº 74/2025 estabelece que IRPJ e CSLL incidem a partir da homologação do plano de recuperação, mesmo sem realização econômica do ganho
No último dia 14 de maio, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit nº 74, datada de 17 de abril de 2025, trazendo um posicionamento inédito sobre a incidência do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre os deságios obtidos por empresas em recuperação judicial.
Segundo o entendimento da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), o momento da ocorrência do fato gerador do tributo é a data da homologação do plano de recuperação judicial, ainda que os efeitos econômicos sejam incertos e sujeitos à reversão.
O que é o deságio (haircut) em recuperação judicial?
Em renegociações dentro de processos de recuperação judicial (RJ), é comum que credores aceitem receber valores inferiores ao montante originalmente devido. Esse abatimento é denominado deságio (ou haircut, em inglês).
A Receita Federal interpreta esse deságio como um ganho patrimonial para a empresa recuperanda, pois representa a extinção parcial de obrigações sem contrapartida nos ativos, ou seja, uma insubsistência de passivo tributável.
Consulta limitou-se ao momento do fato gerador, não à legalidade da cobrança
O contribuinte consulente — uma empresa em recuperação — reconheceu a interpretação da Receita sobre a tributação do deságio, mas questionou o momento da ocorrência do fato gerador. As opções levantadas foram:
- Na data do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano;
- Ou somente após o biênio de fiscalização judicial (previsto no art. 61 da Lei nº 11.101/2005).
A dúvida surgiu porque, embora o valor do deságio seja conhecido na data da homologação, não há garantia de sua concretização, uma vez que o não cumprimento do plano pode levar à falência e à reconstituição dos créditos originais.
Receita defende efeitos patrimoniais imediatos
A Receita, no entanto, sustentou que a concessão da recuperação judicial já produz efeitos patrimoniais definitivos, ainda que sujeita a condição resolutiva. Com base no artigo 117, II do CTN, entendeu que o fato gerador ocorre no momento da homologação, independentemente de eventual reversão futura.
Críticas técnicas: disponibilidade jurídica não equivale a definitividade
O posicionamento causou forte reação entre tributaristas. O ponto central da crítica está no conceito de “disponibilidade da renda”, previsto no art. 43 do CTN, que exige incorporação efetiva e definitiva do ganho ao patrimônio do contribuinte.
O entendimento da Cosit se apoia na chamada “disponibilidade jurídica”, ou seja, no direito formal ao benefício, ainda que não realizado economicamente. No entanto, especialistas sustentam que a incerteza de cumprimento do plano — e a possibilidade de falência — invalida esse conceito.
Jurisprudência do Carf mostra decisões divergentes
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já se manifestou sobre o tema com entendimentos divergentes:
- Em 2024, o Carf decidiu que anistias e remissões em parcelamentos especiais não geram ingresso de receita nova ou aumento de lucro tributável (Acórdão nº 1402-007.104).
- Em outro caso, tratou o haircut como insubsistência de passivo, considerando-o tributável no momento do ato de remissão (Acórdão nº 1401-006.962).
Faltam para a Reforma Tributária 2026
Receita mistura conceitos contábeis e tributários
Outro ponto sensível da SC nº 74/2025 está na utilização de conceitos puramente contábeis — como variação patrimonial positiva — para fundamentar a ocorrência de fato gerador tributário.
Segundo o STF (RE 606.107/RS), a contabilidade pode ser ferramenta auxiliar, mas a incidência tributária depende da existência concreta e definitiva de acréscimo patrimonial, não meramente contábil.
Recuperação judicial exige cautela: ganhos incertos não devem ser tributados
O entendimento da Receita desconsidera o contexto excepcional das empresas em recuperação judicial. A tributação sobre um ganho reversível pode inviabilizar a própria finalidade do instituto — a reestruturação e a continuidade da empresa.
A Lei nº 11.101/2005, ao criar o artigo 50-A, tentou neutralizar parcialmente os efeitos fiscais dos deságios, mas não resolveu o problema central: a imposição de tributos sem realização efetiva de renda.
Contabilidade exige grau de certeza e valor presente
De acordo com o CPC 00, a receita só deve ser reconhecida quando houver grau suficiente de certeza. O CPC 12 e o CPC 47 também recomendam que, para mensuração contábil confiável, devem ser considerados:
- O risco de inadimplemento (non-performance);
- O valor presente da obrigação;
- O momento de efetiva realização da receita ou baixa do passivo.
Esses critérios são respaldados pela Lei nº 12.973/2014, que determina que valores a valor justo ou presentes só devem ser tributados quando realizados.
Conclusão: nova interpretação da Receita será judicializada
A nova posição da Receita Federal deve ser objeto de ampla judicialização. A matéria envolve princípios constitucionais relevantes, como:
- Capacidade contributiva (art. 145, §1º da Constituição);
- Vedação ao confisco (art. 150, IV).
A questão central permanece: pode o Fisco tributar um “ganho” que ainda não se concretizou, e que pode ser desfeito judicialmente?
Enquanto não houver pacificação no Judiciário ou por lei específica, recomenda-se cautela por parte das empresas em RJ e o apoio de assessoria jurídica e contábil especializada.
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